Por Marta Nogueira
RIO DE JANEIRO (Reuters) – O estatuto da Petrobras contém regras que protegem a governança da empresa, evitando pelo menos em um primeiro momento a posse de políticos em cargos estratégicos, mesmo que alterações em curso na Lei das Estatais para flexibilizar regras semelhantes sejam aprovadas pelo Congresso e pelo governo federal, segundo especialistas.
Na véspera, a Câmara dos Deputados aprovou uma mudança na Lei das Estatais que reduz de 36 meses para apenas um mês a quarentena obrigatória para que pessoas vinculadas à estrutura decisória de partidos políticos ou de campanhas eleitorais assumam cargos em empresas estatais.
O texto ainda precisa ser analisado pelo Senado e sancionado pela Presidência. Mas, caso seja confirmado, poderá abrir caminho para a indicação de nomes com características mais políticas a estatais.
Mas o texto original da lei, promulgada em 2016, no governo de Michel Temer, com a quarentena de 36 meses, foi também incluído de forma semelhante no estatuto social da Petrobras, pontuou o professor dos programas de formação executiva da FGV, Andriei Beber.
Isso, de certa forma, dá alguma proteção à governança da empresa contra interferências de políticos. Uma eventual mudança nas regras da petroleira estatal não é trivial e teria que ser proposta pelo Conselho de Administração em assembleia de acionistas, pontuou o professor, destacando que tal movimento poderia gerar muito desgaste diante de questionamentos a serem levantados por segmentos da sociedade, incluindo diversos grupos de minoritários.
“As primeiras palavras que passam pela cabeça são retrocesso e frustração da gente, depois de tanto tempo, ainda querer mudar uma legislação que tem se mostrado exitosa para permitir que empresas estatais ou de economia mista tenham padrões de governança semelhantes a empresas privadas e a outras organizações que também são controladas pelo Estado, mas estão alinhadas a padrões altos de governança”, disse Beber à Reuters.
Segundo ele, o principal problema da mudança seria um risco de “vulnerabilizar posições importantes com agentes políticos partidários que podem eventualmente estar conflitados”.
A regra em questão foi uma das incluídas no estatuto da Petrobras durante a gestão de Pedro Parente, que buscava blindar a companhia de influencias políticas, após o escândalo de corrupção investigado pela operação Lava Jato.
Em declarações passadas, Parente afirmou que futuramente, caso fossem alterar tais regras, haveria ponderações por parte da sociedade.
Para Beber, caso haja esse movimento para mexer no estatuto, “vai dar trabalho, muita gente vai ficar vigilante, vai aparecer às claras”.
“E quem eventualmente liderar esse movimento, vai sofrer um desgaste muito grande”, completou ele.
Vale lembrar que o atual governo renovou boa parte do conselho em agosto, com a União elegendo seis dos oito indicados. O colegiado conta ainda com um representante dos trabalhadores e com quatro representantes dos acionistas minoritários.
A proposta foi aprovada na Câmara no mesmo dia em que o presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, anunciou o ex-senador e ex-ministro Aloizio Mercadante como futuro presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), num movimento que desagradou o mercado financeiro.
AÇÕES DESPENCAM
A preocupação com retrocessos na governança corporativa da Petrobras gerou um forte movimento de queda nas ações da empresa, que recuavam mais de 8% nesta tarde.
“A situação segue fluida e alguns ajustes ainda são prováveis nos próximos dias, mas isso é indiscutivelmente negativo para a Petrobras (e outras estatais brasileiras), e elimina um dos principais mecanismos de defesa da influência política na empresa”, disse o BTG Pactual em relatório.
Segundo relatório do banco, embora alguns possam argumentar que a Lei das Estatais não tem protegido totalmente a Petrobras de tentativas de interferência política, a mudança do artigo 17 é um sinal mais claro de que a estratégia da estatal de petróleo pode ser menos apoiada por aspectos puramente técnicos a partir de agora.
“Conforme argumentado recentemente…, tanto a Lei das Estatais quanto os estatutos da Petrobras protegem a empresa, mas não a blindam, pois podem ser alterados. Dito isso, a velocidade com que a mudança ocorreu nos pegou de surpresa.”
Analistas do Goldman Sachs, que cortaram sua recomendação das ações da Petrobras de “compra” para “neutro”, logo após o resultado das eleições, destacaram que a Lei das Estatais é uma das camadas de proteção contra possíveis intervenções na empresa.
“Além disso, destacamos que esse projeto foi aprovado por ampla maioria na Câmara…, mostrando que o novo governo poderia ter capital político suficiente para obter apoio do Congresso e fazer novos ajustes na lei…”, comentou.
Conforme o Goldman Sachs, enquanto no curto prazo a lei brasileira e os estatutos da Petrobras oferecem algum nível de proteção contra intervenções na Petrobras, “no longo prazo continuamos a ter pouca visibilidade sobre a abordagem da nova administração”.
Fonte: Último Instante
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