Equipe de transição recomenda adiar descotização da Eletrobras, cerne da privatização

SÃO PAULO (Reuters) – A equipe de transição para a área de minas e energia recomendou que o governo eleito avalie postergar a descotização das usinas hidrelétricas da Eletrobras, um processo que começa em 2023, devido a potenciais impactos nas tarifas de energia elétrica.

Para alterar seus contratos via descotização e renovar as concessões de hidrelétricas, a Eletrobras pagou à União 26,6 bilhões de reais em bônus de outorga após a privatização, o que pode levantar questionamentos jurídicos, caso o governo eleito siga a recomendação da transição.

Uma mudança no calendário de descotização poderia afetar contratos assinados pela elétrica em seu processo de desestatização, realizado em meados deste ano, e teria efeito sobre o fluxo de caixa previsto da empresa.

Cerne da privatização da maior elétrica da América Latina, a descotização permite que a Eletrobras possa vender a energia gerada por suas hidrelétricas por preços de mercado, em vez de um valor calculado pela agência reguladora Aneel.

A mudança do regime de comercialização, que será progressiva e se inicia em 2023, terá efeito importante sobre os negócios no mercado livre de energia.

O relatório final do grupo de trabalho de minas e energia, visto pela Reuters, coloca o fim do regime de cotas como um ponto de alerta, por entender que a “energia proveniente de usinas amortizadas é a mais barata disponível”, de modo que substituir a forma de contratação “por qualquer outra implicará em aumento real da tarifa”.

O grupo não chegou a estimar o potencial impacto tarifário da descotização, mas apontou que, em meados do ano, o valor médio da cota era de 73 reais por megawatt-hora (MWh), sendo que o valor da energia estimado no mercado seria de duas a três vezes maior.

Nesse sentido, o grupo sugeriu “realizar análise da viabilidade econômica, jurídica e política de o CNPE (Conselho Nacional de Política Energética) emitir resolução postergando o início do calendário da descotização, de forma a permitir avaliação dos impactos tarifários e de medidas mitigadoras”.

A Eletrobras possui uma garantia física de 7,5 gigawatts médios (GW med) de energia de hidrelétricas no regime de cotas. Para evitar que esse elevado volume de energia chegasse ao mercado ao mesmo tempo, no processo de privatização ficou estabelecido que a descotização ocorreria a taxa de 20% ao ano, pelos próximos cinco anos, a partir de 2023.

Segundo analistas do Credit Suisse, mudar os termos assinados para oferecer um cronograma diferente para a descotização altera o equilíbrio econômico dos contratos, e não poderia ser implementado unilateralmente pelo governo sem uma discussão mais aprofundada.

“Alterar esse fluxo de caixa implicaria em um VPL diferente desses contratos e em uma taxa de concessão diferente da calculada no passado, provavelmente abrindo disputas legais significativas”, escreveram os analistas do Credit.

Uma fonte de mercado, que pediu para não ser identificada, observou que, apesar de as cotas terem reduzido o potencial de receitas da Eletrobras por vários anos, elas podem ser bons negócios em momentos de preços de energia baixos, como ocorre atualmente, em meio a um desbalanço estrutural de oferta e demanda de energia.

A fonte lembrou ainda que a Eletrobras foi privatizada com premissas de preços de energia considerados altos, um cenário que não deve se materializar nos próximos anos.

A Eletrobras já vinha se preparando para reforçar sua área de comercialização de energia diante da descotização. O CEO da elétrica, Wilson Ferreira Jr, disse que poderia até avaliar a compra de uma comercializadora de energia, mas que prefereria avançar na área com a constituição de um time próprio, aproveitando talentos e buscando trazer novos profissionais.

MERCADO E INFLUÊNCIA DO GOVERNO

O relatório apontou ainda outras preocupações relacionadas à Eletrobras, como seu “forte poder de mercado” e a perda de influência da União na empresa após a privatização.

Sobre a concentração de mercado, a equipe de transição apontou que a elétrica é responsável por mais de 40% do sistema de transmissão e da capacidade hidrelétrica do país, o que pode ser prejudicial à competição e levar a aumentos tarifários.

Uma fonte lembra que, quando a privatização da Eletrobras começou a ser gestada, a empresa era “menor”, já que o projeto antigo não incluía no bojo da privatização usinas como a de Tucuruí. Hoje, o portfólio da Eletrobras privatizada é maior, e a empresa consolidou recentemente novos ativos, como a usina de Santo Antônio, conferindo uma participação de mercado de cerca de 30% da capacidade instalada nacional, apontou a fonte.

Já sobre a influência da União na empresa, o grupo recomendou que o governo avalie a viabilidade de se adotar medidas que permitam que o governo “tenha direito a voto proporcional ao número de ações ordinárias”.

A União, juntamente com o BNDES, possui 42,7% das ações ordinárias da Eletrobras, mas a mudança estatutária na privatização limitou a 10% o poder de voto de qualquer acionista.

Mudanças estatutárias, no entanto, podem ser mais difíceis de se aprovar, já que precisam passar por assembleia de acionistas.

Fonte: Último Instante