A loja é grande, mas a quantidade de produtos ali disponível não é. Algumas prateleiras estão vazias, vários produtos faltam e alguns outros estão em mal estado, impróprios para consumo. As moças que trabalham no caixa estão de saco cheio, apenas pensando na hora de ir embora e parar de ouvir as reclamações das donas de casa que tentam, em vão, abastecer a geladeira. A descrição acima é de uma loja típica em Moscou de 1990, no meio de uma crise econômica que acabou com a União Soviética.
O Estado Soviético era dono e gestor de todas as lojas da cidade e do país, um colosso de 300 milhões de habitantes e que se estendia da Polônia até a Coreia do Norte. Capaz de mandar um homem para o Espaço e ganhar mais medalhas de ouro nas Olimpíadas, a União Soviética conviveu com problemas assim durante toda a sua existência, muito em decorrência da falta de capacidade do modelo econômico de incentivar inovações que não fossem técnicas e boa gestão.
Em Moscou de 1990, porém, a novidade era um restaurante McDonald’s, inaugurado em fevereiro daquele ano por conta de uma parceria entre soviéticos e canadenses (representando os americanos). Fotos da época mostram a loucura que foi a inauguração do restaurante em Moscou – mais de 5 mil pessoas se abarrotaram para comer um sanduíche que, naquela época, era muito caro para os padrões soviéticos.
Os mais velhos estranhavam aquela comida que nunca tinham visto e os mais novos se deliciavam com um pequeno sabor de capitalismo (a década seguinte seria muito difícil e nem todos tiveram uma visão positiva). Aquele foi um dia especial na cabeça de muita gente.
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O Brasil é comunista?
Certamente essa pergunta tem uma resposta muito simples: não. O Brasil é um local que incentiva e promove o empreendedorismo, embora muitas vezes não seja da forma que desejamos – são poucos os brasileiros que abraçam a ideia de um Estado onipresente.
Claro que é justo discutir o modelo de Estado, se ele é muito grande ou não, se ele atrapalha ou não, se ele poderia fazer mais ou menos. Tudo isso é foco a cada quatro anos, em época de eleições presidenciais. E estará em discussão em 2022, conforme os modelos e projetos dos principais candidatos sejam cada vez mais aparentes.
Nos últimos oito anos, desde o impeachment da Dilma Rousseff, o Brasil vem abraçando uma postura levemente mais pró-mercado e realizou algumas privatizações. Uma delas foi a BR Distribuidora – atuante na distribuição de gasolina, diesel e combustíveis -, hoje sob o controle da iniciativa privada e listada na B3 como Vibra (VIBR3). Ela é a personagem principal da história hoje.
Se a Petrobras precisa ou não ser privatizada, essa é uma discussão para outro momento, não para agora. O fato é que a distribuição de gasolina, álcool, diesel e outros combustíveis poderia ser feita pela iniciativa privada, como já era feita por várias outras empresas e bandeiras diferentes no Brasil.
Vibra e Americanas: gosto do empreendedorismo
A próxima página dessa história é a celebração de uma joint-venture, 50%-50%, entre a Vibra, antiga BR Distribuidora, e Lojas Americanas (AMER3) para criar a Vem Conveniência, que vai operar 1257 pequenas varejistas no Brasil de cara – 55 lojas de rua com a bandeira Local e 1202 lojas em postos de Gasolina com a bandeira BR Mania. A Vibra deverá investir cerca de R$ 252 milhões na Vem e pode receber até R$ 53 milhões da Americanas, a depender de atingir metas.
Todas essas lojas já existiam, já eram operadas pela própria Vibra e não eram parecidas com a loja descrita no início dessa matéria. Mas uma vantagem invisível das privatizações: o empreendedorismo nunca pode (e nunca estará) satisfeito e precisa sempre buscar novas formas de maximizar o seu retorno. É natural que a Vibra queira melhorar os resultados da BR Mania, e que a Americanas queira mais um caminho para suas vendas.
A Americanas é uma empresa de varejo conhecidíssima e com um bom histórico, pronta para trazer um know-how interessante para as lojas de conveniência operadas pela Vibra, que pode resultar em sortimentos de itens melhores, economia de custos e iniciativas multicanais que podem trazer um novo público para as lojas e melhorar a experiência do usuário – como, por exemplo, a instalação de armários para retirada de produtos.
“A Parceria visa oferecer uma nova proposta de valor a consumidores, franqueados, revendedores e atendentes de lojas, contando com o somatório de forças da Vibra e da Americanas, que compreende ampla experiência de varejo no mercado brasileiro, uma rede de pontos de venda com capilaridade nacional, escala e estrutura de suprimentos e logística, tecnologia e atuação no varejo digital, além de marcas reconhecidas, e representa um importante passo para a expansão no mercado de lojas de pequeno varejo no Brasil”, explicam ambas a empresa em comunicado ao mercado.
É bom entender que nem toda as Estatais são engessadas, globalmente falando, cabides-de-emprego ou antros de corrupção – o metrô de Hong Kong, por exemplo, é uma das empresas mais bem geridas e eficientes do planeta. Discutir um modelo de governança corporativa que possa ajudar o Brasil a virar o jogo é tão importante quanto discutir o tamanho do Estado.
Sofisticação
Um dos pontos mais importantes de uma economia vibrante é a sofisticação constante dos serviços prestados por cada companhia. Uma parceria dessas é parte da caminhada nesse sentido – e é cedo demais para afirmar se ela vai ser um sucesso ou um fracasso, ou trazer resultados positivos para os acionistas tanto de Vibra quanto de Americanas.
Para um Brasil melhor e mais dinâmico, com mais oportunidades de negócios, ideias de negócios, o empreendedorismo de pequenas, médias e grandes empresas precisa ser estimulado e apoiado. E iniciativas como essas são fundamentais neste sentido. Se a joint-venture entre soviéticos e canadenses permitiu a entrada do McDonald’s no mercado russo, que a parceria entre Vibra e Americanas celebre o crescente aperfeiçoamento do Brasil.