Publicado em 1886, “The Strange Case of Dr Jekyll and Mr Hyde”, que em português foi
traduzido como “O Médico e o Monstro”, é a obra mais conhecida do escritor escocês
Robert Louis Stevenson (1850-1894). Trata da dualidade humana, como atitudes
positivas e negativas podem coexistir na mesma pessoa. O tema é atemporal, daí o
romance ser lido até hoje. E o paralelo pode ser aplicado às declarações de *Jerome
Powell, presidente do Federal Reserve, nesta quinta-feira (19) em evento na cidade de Nova York.
O discurso de Powell era esperado como um sinalizador do que vai ocorrer com os juros
americanos nos próximos meses. No entanto, as declarações de Powell podem ser
vistas tanto como “dovish” (ou seja, contrárias a novos apertos na política monetária)
quanto como “hawkish”, defensoras de um tratamento duro contra a inflação.
O Powell “dovish” reconheceu os sinais recentes de arrefecimento da inflação. Ao longo
de outubro, os dados mostraram que a inflação em 12 meses recuou para 3,7 por cento,
bem abaixo dos 9%de junho do ano passado. “Os dados recebidos nos últimos
meses mostram progressos contínuos em direção a ambos os nossos objetivos de
mandato duplo – emprego máximo e preços estáveis”, disse ele.
No entanto, o Powell “hawkish” disse que o Fed estaria “resoluto” no seu compromisso
com a meta de inflação de 2 por cento ao ano. “A inflação ainda está muito alta”, disse
Powell. “Alguns meses de dados positivos são apenas o começo do que será necessário
para criar confiança de que a inflação está caminhando de forma sustentável em
direção à meta.”
E, cuidadoso, ele evitou se comprometer com qualquer prazo. “Ainda não podemos
saber por quanto tempo os índices continuarão baixando, nem em que nível a inflação
vai se estabilizar nos próximos trimestres”, disse ele.
Para completar, o Powell “hawkish” disse que não acha que os juros estejam “altos
demais” neste momento. “Evidências adicionais de crescimento econômico acelerado
ou de que o aperto no mercado de trabalho não está mais diminuindo podem justificar
um maior aperto da política monetária”, disse ele. Assim, qualquer esperança de que o
patamar atual de 5,25 por cento a 5,50 por cento fosse a “taxa terminal” – o máximo
que os juros poderiam atingir – foi sepultada.
Como interpretar esse Powell “Jekyll e Hyde”? A maneira mais segura é observar o
comportamento dos preços. Essa entidade chamada mercado pode errar, mas suas
decisões (certas ou erradas) são soberanas. Na manhã desta sexta-feira (20) a
remuneração dos títulos referenciais de dez anos do Tesouro americano está em 4,967
por cento ao ano, um pouco mais baixo que os 4,975 por cento da quinta-feira (19).
O consenso dos investidores americanos é que há poucas possibilidades de o Fed
elevar os juros na reunião agendada para daqui a 12 dias, em 31 de outubro e 1o de
novembro. No entanto, há menos certeza do que pode ocorrer na última reunião de
2023, marcada para os dias 12 e 13 de dezembro. Assim como no romance de Stevenson,
o resultado só será conhecido no final – e nem Powell sabe quando isso vai ocorrer.
*Análise – Equipe da Levante Investimentos
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